Trabalhamos, estudamos, produzimos sem parar, nos relacionamos, casamos, criamos os filhos, acumulamos alguns bens, atravessamos pandemia, crises econômicas, familiares e existenciais. Nos cansamos, seguimos em frente e continuamos produzindo.
Costumamos não prestar atenção às nossas angústias e aos nossos questionamentos mais genuínos, pelo medo de entrar em contato com eles e não voltarmos mais a ser quem precisamos ser no mundo, e nem oferecer mais o que é esperado de nós na roda infinita do cumprimento de tarefas e obrigações. O problema é que quando calamos angústias e tentamos à força digerir o indigerível, alguns sintomas aparecem e insistem até que estejamos dispostos a nos dar uma chance.
Depressão, pânico, insônia, dores inexplicáveis que persistem, pesadelos recorrentes, vícios, agressividade, melancolia, ansiedade extrema, desistências, insegurança, reclusão, relações rompidas, desânimo de viver a vida, justo a vida pela qual tanto batalhamos pra construir. Tudo que nos incomoda e não é bem-vindo, varremos para debaixo do tapete do inconsciente, e quanto mais nos esforçamos a esconder, adivinha? Mais ousará a aparecer. A voz do inconsciente é sutil, mas não se cala até ser ouvida, já dizia Sigmund Freud.
Tentar calar apenas com medicamentos os sintomas que insistentemente se manifestam, é como tentar apagar um furacão em erupção com baldes d’água.
Deixar o sofrimento psíquico sob anestesia não funciona a longo prazo, especialmente no momento pandêmico atual que vivemos, onde tem emergido drasticamente antigas questões mal resolvidas, impossíveis de continuarem sendo sufocadas e aceitas como se não estivessem ali.
A pandemia tornou o sofrimento mais agudo, e com isso, trouxe-nos a emergência da resolução de alguns quebra-cabeças em nossas vidas. Na clínica, nós psicólogos, observamos todas essas queixas descritas aqui anteriormente, observamos o tormento, a angústia, o medo de lançar-se frente ao novo e ao desconhecido, o cansaço de si mesmo e a impotência de ser, fazer diferente.
Mas ainda percebemos também a descrença e o ceticismo de alguns acerca do tratamento das dores psíquicas através da palavra. Sem falar dos velhos e ultrapassados estigmas associando o tratamento psicoterapêutico à loucura ou exclusivo apenas à classe AA; sem contar a cruel autoimposição do suportar, do sofrer em silêncio e ter que sorrir quando se quer berrar, tais paradigmas – cristalizados em alguns – favorecem comodamente àqueles que desejam ficar imersos em seus sintomas, terceirizando a culpa de seus próprios tropeços, permanecendo assim convenientemente inertes frente à qualquer faísca de mudança.
Com alguma frequência, nós profissionais psis somos questionados se apenas “sentar e falar” oferece resultado. Demora muito? É caro?
O processo terapêutico envolve sim investimento financeiro e de tempo, mas acima de tudo, investimento psíquico, persistência e coragem de se ouvir. Dar valor à Psicologia e ao trabalho do psicólogo ou psicanalista que se dedica permanentemente aos estudos da psique humana, é também dar valor à vida e uma chance à transformação.
Pesquisas já comprovaram que durante anos após o término da psicoterapia, assim como o tratamento psicanalítico fundado por Freud, que seus efeitos positivos se estendem e reverberam na redução de internações e gastos altíssimos com medicações, assim como a diminuição de licenças médicas refletindo positivamente não só dentro de empresas, mas também desafogando o sistema público de saúde.
Em nossa sociedade, é dado valor sobretudo a objetos frívolos e efêmeros, curtidas, número de seguidores, filtros e fama; investe-se tempo, energia e grandes somas de dinheiro em itens descartáveis e estratégias que nos fazem parecer com alguém que não somos. Não vou entrar no mérito se o indivíduo efetivamente pode ou não financeiramente arcar com os custos de um tratamento psicoterapêutico continuado, contudo, gostaria de deixar a reflexão acerca de que valor estamos dando à nossa própria saúde mental e àquilo que nos move mais profundamente, ao passo que com frequência desinvestimos na descoberta do encontro mais legítimo que poderíamos nos proporcionar: com a nossa própria singularidade.
Terapia é cara? Depende.
Caro é o casamento quebrado, caro é o filho que não fala mais com você ou a relação mal resolvida com sua mãe. Caro é repetir padrões de relacionamentos danosos e não se dar conta. Cara é a angústia de perceber que está em um lugar na vida ao qual não pertence e não deseja estar.
Caro é o desperdício de potencial e uma vida sem objetivos.
Caro é desejar ir além, mas não ter coragem de levantar.
Referências:
Berghout, C., Zevalkink, J., & Hakkaart-van Roijen, L. (2010). A cost-utility analysis of psychoanalysis versus psychoanalytic psychotherapy. International Journal of Technology Assessment in Health Care, 26(1), 3-10. doi:10.1017/S0266462309990791
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